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Diamante gigante de Minas é retido por suspeita de desvio
2 de setembro de 2025 às 16:06
O segundo maior diamante do Brasil está retido em Minas Gerais por suspeitas de furto e desvio e pode não ter sido encontrado em Coromandel, na Região do Alto Paranaíba, mas em Araguari, no Triângulo Mineiro, a 154 quilômetros de distância da primeira cidade. Essa é uma das inconsistências relacionadas à rara pedra preciosa e que a Polícia Federal (PF) investiga desde julho.
O caso foi investigado pelo jornal Estado de Minas.
O diamante de 646,78 quilates (129,36 gramas) se encontrava nos trâmites para o recebimento do Certificado do Processo de Kimberley (CPK). A concessão do documento, necessária para a exportação legal da gema estava prevista no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM) para ocorrer em 27 de agosto, quando a PF e a Agência Nacional de Mineração (ANM) retiveram a gema.
Sem revelar muitos detalhes, a ANM informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “acompanha a situação com rigor, atuando em conformidade com os princípios administrativos para assegurar a lisura do processo. Por razões de segurança e para a proteção de todos os envolvidos, os detalhes permanecem sob sigilo”. A PF não se manifestou sobre a investigação.
A empresa que apresentou o segundo maior diamante do Brasil é a Diadel Mineração. Uma vez com a documentação, a pedra poderia ser transportada para fora do país. Mas o minerador registrou ofício de cancelamento da certificação CPK, em um movimento estranho no mercado de gemas preciosas, uma vez que, segundo negociadores do setor, nesse estágio a compra já teria sido realizada e as notas de venda emitidas no aguardo apenas do certificado.
A explicação é que nesse mesmo dia, a PF e a ANM retiveram o diamante e a agência expediu uma extensa relação de pedidos de informações para o minerador, sobretudo sobre a origem da gema e todos os envolvidos na sua garimpagem.
No Ofício nº 34.432/2025/SFI-ANM/ANM, de 29 de agosto, a agência deu 60 dias para que seja entregue a “planilha da produção mensal, com identificação específica do local de extração, dia, hora da apuração e registros de pesagem do diamante de 647,34ct, com a assinatura do responsável”.
A ANM requisitou também “documentação que comprove o controle e guarda do material desde a extração; identificação de todas as pessoas que tiveram acesso ao diamante e, se possível, apresentar documentação fotográfica”.
Dois dados exigidos reforçam indicam que há suspeitas de desvio da pedra. O “parecer técnico sobre compatibilidade gemológica e geológica com a origem declarada, assinado por profissional habilitado” e “se há ou houve qualquer relação comercial, operacional ou de terceirização com a empresa Carbono Mineração”.
A Carbono Mineração, que opera entre Araguari e Uberlândia, no Rio Araguari, no Triâgulo Mineiro, pode ter sido o verdadeiro berço do segundo maior diamante do Brasil. A empresa foi procurada, mas até ontem não havia designado ninguém para responder à reportagem.
Em movimento anterior à solicitação de informações (28/8), a Diadel Mineração incluiu um pedido de vista do processo a seus advogados. Em Coromandel, no Alto Paranaíba, cidade a 482 km de BH, a reportagem do EM apurou que há diversas inconsistências sobre a origem da pedra.
A venda do diamante teria ocorrido em 29 de maio de 2025. Em junho de 2025, as primeiras imagens da gema começaram a circular em redes sociais. De acordo com o que se sabia até então, a pedra bruta teria sido encontrada no cascalho lavado de uma extração operada pela Diadel Mineração Ltda, próximo ao local conhecido como Rio Douradinho.
ABRE E FECHA SUSPEITO
Contudo, vizinhos da propriedade e garimpeiros que trabalham na região disseram que, apesar de a empresa declarar produção continuamente, a mineração estaria frequentemente parada, com produção esporádica, tendo voltado a funcionar apenas em maio e junho.
Em julho, a empresa voltou a interromper os processos, após a divulgação da descoberta do diamante. Essa interrupção também provocou muita estranheza nos conhecedores dessa atividade, pois uma vez que se encontra uma pedra tão expressiva, o normal seria intensificar a exploração até localizar e definir a jazida para que mais diamantes pudessem ser garimpados.
A reportagem procurou a Diadel Mineração diretamente, mas pelo telefone de contato registrado atende uma empresa de contabilidade. A representante da mineradora para movimentação do processo na ANM é uma consultoria em mineração que, ao ser procurada, afirmou que não foi autorizada pela Diadel a comentar sobre as investigações, mas forneceu o contato do sócio-administrador. Até o fechamento desta edição, ele não havia respondido aos questionamentos enviados pelo EM.
A Diadel Mineração foi fundada em 2004. No registro societário – atualizado em 9 de agosto de 2025 – consta Carlos César Manhas, de 63 anos, como o sócio-administrador desde 2024, sendo assim o principal controlador.
Manhas é muito conhecido no meio dos diamantes, sobretudo em Coromandel, onde seria ligado a grupos de israelenses inseridos no mercado internacional de pedras preciosas, segundo disseram à reportagem pessoas do ramo, que preferem não se identificar.
Em 2002, o empresário foi preso pela Polícia Federal (PF), em Rondônia, junto com um grupo de brasileiros e israelenses que estava de posse de 44 diamantes e uma ametista que seriam provenientes da Reserva Indígena Roosevelt, dos Cinta-Larga, uma terra onde a atividade garimpeira é proibida, localizada entre os estados de Rondônia, no Norte do país, e Mato Grosso, no Centro-Oeste.
Ele acabou condenado por receptação de bem pertencente à União. Segundo a acusação, o papel de Carlos Manhas seria o de facilitar o comércio de diamantes para dois israelenses e um outro brasileiro, todos detidos na mesma ocasião pela PF.
Venda rápida e “preço baixo”
No intrincado mercado de gemas da cidade mineira de Coromandel, na Região do Alto Paranaíba, reina a desconfiança, e a maioria prefere o silêncio quando o assunto é a descoberta e negociação do segundo maior diamante no Brasil. Mas, além das questões envolvendo a origem da pedra, 646,78 quilates, há quem aponte mais inconsistências . Todos dão como certo, por exemplo, que o diamante tem um comprador, citando até nomes ainda não confirmados. Mas a venda teria sido feita de uma forma muito estranha e rápida, segundo avaliam fontes do setor ouvidas pelo EM. Compradores do mercado brasileiro de pedras disseram que nem sequer chegaram a ser consultados sobre a compra do diamante.
Antes de o diamante aparecer nas redes sociais, compradores disseram não ter visto a pedra. O normal seria procurar ofertas de vários compradores, uma vez que se trata de uma pedra preciosa de extrema relevância. Isso daria início a um leilão capaz de elevar em muitas vezes o valor do diamante. A melhor proposta ganharia.
Considerados baixos, os valores supostamente envolvidos na negociação da gema também levantam suspeitas. Especula-se que o diamante de 646,78 quilates tenha sido vendido por algo em torno de R$ 16 milhões e R$ 18 milhões, em Coromandel. Os envolvidos estariam aguardando apenas a emissão do CPK para concluir a transação. Fontes do mercado consultadas pela reportagem, entretanto, estimam que a gema poderia facilmente ser negociada por até R$ 50 milhões.
A publicidade tímida e amadora dada a uma descoberta dessa envergadura também provocou estranheza. O comum seria promover a mineração que realizou um feito desse porte para captar mais investidores para a operação, que poderia ser até ampliada.
A investigação da PF apura várias dessas inconsistências e até informações de que o diamante teria sido desviado de um garimpo legal em Araguari, no Triângulo Mineiro, versão que circula entre pessoas ligadas à mineração em Coromandel, no Alto Paranaíba. A mudança do município do Triângulo para o do Alto Paranaíba teria ocorrido para dar legalidade ao desvio da pedra, o que faria da Diadel Mineração uma empresa suspeita de receptação.
Em 9 de junho, a ANM informou que o diamante estava seguindo os trâmites de legalização. A informação dada pela agência era que a pedra tinha sido declarada em uma área com Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) regularmente titulada e fiscalizada no município de Coromandel – e que é licenciada para a Diadel Mineração.
“A área produtora do diamante possui título minerário vigente e é submetida a vistorias periódicas pela Unidade Avançada da ANM em Patos de Minas (MG), conforme estabelece o artigo 17, inciso I, alínea “a”, da Resolução ANM nº 106/2022”, informou a ANM naquela data.
A eventual comercialização do diamante por meio de exportação segue as regras internacionais do Sistema de Certificação de Processo Kimberley (CPK), que visa impedir o uso de diamantes para o financiamento de conflitos armados ou de atividades ilegais.
O Brasil é signatário do CPK, sendo a ANM o órgão responsável pela representação nacional no processo com participação ativa nas plenárias e fóruns internacionais. Cabe à ANM a fiscalização das áreas produtoras de diamantes, averiguando periodicamente as informações de produção local, possíveis irregularidades, registros fotográficos e destino previsto.
Se todos os requisitos forem atendidos, cabe à Agência Nacional de Mineração a emissão do Certificado de Kimberley finalizando o processo com o lacre final do diamante pela agência e a empresa produtora, alcançando, a partir daí,a formalidade no mercado internacional.
O diamante foi declarado pela Diadel Mineração oficialmente no Relatório de Transações Comerciais (RTC) do Cadastro Nacional de Comércio de Diamantes (CNCD), em 29 de maio de 2025. Contudo, no dia marcado para se fazer o lacre na ANM, na presença de agentes da PF e ANM de Brasília (DF), o diamante foi apreendido para os devidos esclarecimentos. Imediatamente a Diadel registrou protocolo para desistência da certificação.
Há informações de que a certificação poderia ser negada para evitar a saída da gema do Brasil, devido às inconsistências investigadas pela PF, motivando a desistência intempestiva do CPK, o que consta também de documentação indexada na ANM em 27 de agosto pelo ofício de cancelamento do CPK 17.622.500. A ANM, contudo, informa que o “processo de certificação Kimberley ainda não foi concluído e que não houve desistência por parte da requerente”.
O maior diamante do Brasil e das Américas é, ainda hoje, o Presidente Vargas, descoberto em 1938, na cidade mineira de Coromandel. A pedra, de quase 727 quilates, foi encontrada por dois garimpeiros do interior de Minas, no Rio Santo Antônio do Bonito. Em 13 de agosto de 1938, os Joaquim Venâncio Tiago e Manoel Miguel Domingues avistaram o brilhante que foi apelidado de “Presidente Vargas” em homenagem ao então presidente do Brasil, Getúlio Vargas (1882-1954). Depois de ser vendido pelos mineradores no mesmo ano de sua descoberta (na foto, o diamante é analisado por compradores), por cerca de US$ 56 mil (valores da época), o diamante Vargas foi anunciado na Europa por US$ 500 mil, o equivalente hoje a mais de US$ 10 milhões (R$ 50,3 milhões). Em 23 de maio de 1939, um joalheiro de Nova York, nos Estados Unidos, adquiriu a gema, que terminou cortada e lapidada, dando origem a 29 brilhantes, sendo que o maior deles tem 48 quilates e pertence a uma joalheria de Nova York. Outras partes dessa pedra preciosa foram comercializadas em leilões e joalherias.
